Há 18 anos no sistema penitenciário, Raimundo Gomes ficou em sexto lugar em vestibular de direito e diz que mudou graças ao acesso à educação
Os pulsos, que antes já estiveram algemados, contorcem-se para empunhar os livros e mudar as páginas. Com romances, biografias, livros religiosos e didáticos, as oito bibliotecas nos complexos penitenciários do Distrito Federal incentivam mudanças de comportamento entre os 15 mil detentos. Segundo a Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap), são pelo menos mil livros em cada unidade. Além dos exemplares, há aulas desde a alfabetização até o ingresso no ensino superior. As ações desenvolvidas pelo governo de Brasília estimulam a ressocialização dos presos, e o acesso à educação faz com que eles enxerguem possibilidades além das práticas criminais.
Nova chance
Raimundo Freitas Gomes, de 42 anos, havia cursado até a quarta série — hoje, quinto ano — do ensino fundamental. Sabia operações simples de matemática (soma e subtração), ler e escrever. Não tinha vontade de estudar, não gostava da escola e interrompeu os estudos aos 10 anos. Aos 12, já havia se envolvido com o crime. "Foi quando experimentei o primeiro 'baseado', a primeira cerveja e o primeiro furto", lembra.
Ele tem quatro cicatrizes pelo corpo causadas por bala de arma de fogo. Uma delas estampa o rosto e, segundo Raimundo, ocorreu após confronto contra a polícia. Com idas e vindas, já está há 18 anos no sistema penitenciário — duas vezes reincidente. Foi condenado a 44 anos por roubo e assalto a banco, entre outros crimes. Passou oito anos na Penitenciária II do DF, conhecida como Papuda. Foi nessa época em que começou a estudar.
Com a intenção de diminuir os dias de pena, Raimundo começou a frequentar as aulas oferecidas no complexo penitenciário e a usar as bibliotecas. Nos livros, aventurou-se nas coleções de Martinho Lutero, nas trajetórias de Simón Bolívar e de Vladimir Lenin e em exemplares didáticos de matemática, gramática e história. Concluiu os estudos, fez duas vezes o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e tentou vestibular para direito em faculdade particular. Oitenta pessoas fizeram a prova que ofertava cinco vagas. Raimundo ficou em sexto lugar. Não foi chamado, mas reconhece o valor do que aprendeu. "Quando entrei dentro dos livros, vi um caminho muito lindo. O estudo caminha de mãos dadas com a pessoa. A pessoa evolui quando estuda."
Por bom comportamento, diminuiu o tempo de pena e hoje está em regime domiciliar. É casado e tem duas filhas, de 10 e 2 anos. Apesar de ter tentado tornar-se advogado, diz que quer mesmo é fazer serviço social. Ele pretende abrir uma cooperativa de artesanato na Estrutural para inserir jovens da região em atividades produtivas. "Quero mostrar que é com trabalho e estudo que se tem futuro. Não posso errar mais e quero levar o meu melhor 'pro' mundo."
Aulas
A Lei nº 12.433, de 2011, estabelece a redução de um dia de pena a cada 12 horas de estudo. Dentro do sistema carcerário local, 1.613 presos frequentam as aulas fornecidas por 60 professores por meio de convênio com a Secretaria de Educação. Também há oficinas, cursos e palestras sobre artesanato, informática, teatro, formação humana, música (coral e banda), meio ambiente, práticas agrícolas e línguas estrangeiras.
Nos turnos matutino e vespertino, esses alunos se dividem entre o Centro de Internamento e Reeducação (376 do regime semiaberto), o Centro de Detenção Provisória (210 do provisório e do semiaberto), a Penitenciária do DF (249 do regime fechado) e a Penitenciária do DF II (296 dos sistemas fechado e semiaberto).
Já no Centro de Progressão Penitenciária, são 235 estudantes no período noturno do regime semiaberto. A Penitenciária Feminina tem 229 alunas dos períodos matutino e vespertino do sistema fechado e semiaberto. E são 18 alunos dos turnos matutino e vespertino em regime fechado da Ala de Tratamento Psiquiátrico.
As aulas fazem parte de núcleo de ensino desenvolvido pelo governo e voltado, entre outras coisas, para preparar os presos para a alfabetização e para provas como o Enem e o vestibular da Universidade de Brasília.
O professor de direito penal especializado em políticas públicas José Veloso acredita que o sistema carcerário deve ser punitivo e educador. Para o especialista, os livros e as aulas fazem parte do processo de reinserção. "Os presos devem trabalhar e estudar."
Doações
Os 15 mil presos dos complexos penitenciários terão mais acesso à leitura a partir desta semana. Trezentos livros foram arrecadados pela Funap para serem distribuídos às oito bibliotecas das unidades masculina e feminina. As doações fizeram parte de uma campanha da Câmara Legislativa, que ocorreu em outubro.
De acordo com a fundação, a quantidade de livros será dividida igualmente entre as bibliotecas. Os exemplares mais procurados pelos detentos são sobre religião, literatura e poesia. Apesar de a campanha ter se encerrado, ainda é possível doar na sede da Funap, no Setor de Indústria e Abastecimento, trecho 2, lotes 1.835/1.845.