Moradores da Granja do Torto convivem com animais no dia a dia

Proximidade do Parque Nacional faz com que cobras, antas, lobos-guará e onças invadam a área urbana do bairro

A Granja do Torto completará 59 anos no próximo dia 12 de abril. O bairro faz parte da Região Administrativa do Plano Piloto. Mesmo com a explosão demográfica e a transformação do Distrito Federal em metrópole, a Granja ainda mantém o ar de vila; meio cidade do interior, meio área rural.

Assim como outras regiões do Distrito Federal, o bairro tem algumas carências de serviços públicos, por exemplo, segurança. Mesmo assim, a Granja do Torto não perdeu suas principais características. A fronteira com o Parque Nacional de Brasília reforça certa atmosfera rural. Ao circular pelas ruas, observamos que as pessoas gostam de ficar do lado de fora das casas, sentar nos bancos espalhados pelas calçadas ou mesmo no meio-fio, conversar por horas, observar os periquitos, araras, tucanos voando baixo e chamar os macaquinhos que aparecem nas árvores em busca de alimentos. Os animais que saem das matas do Parque nem sempre são os inofensivos micos ou pássaros. Há histórias de cobras, capivaras, antas e, até, onças e lobos-guará.

Situações inusitadas

O aposentado José Pinheiro, 77, mora na Granja do Torto desde que chegou ao Distrito Federal. Natural de Pereiro, Ceará, veio para Brasília em 1966. Primeiramente, foi morar na Vila dos Funcionários da Residência Oficial da Presidência da República. Era vizinho do então chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) e futuro presidente da República João Baptista Figueiredo, com quem fez amizade. Em 1979, foi para a parte mais alta da Granja do Torto. seu Zé Pinheiro, como é conhecido no bairro, tem muitas histórias com os animais da região: “Quando morava na casa velha lá embaixo, nunca vi tanta cobra na minha vida. Um dia, meu filho foi vestir uma camisa para ir para escola. Faltava um botão e a mãe mandou ele buscar na gaveta da máquina de costura. Quando ele abriu, tinha uma jararaca dentro”. Outra situação inusitada com cobra aconteceu com o vizinho. “Pinheiro, Pinheiro, tem uma cascavel aqui!”, gritou o vizinho. seu Zé Pinheiro acudiu e matou a cobra. Passado um tempo, “Pinheiro, Pinheiro, tem outra cascavel aqui!”. O filho do vizinho pegou o chocalho da primeira cobra e ficou brincando e “cascavel nunca está só. A outra veio pelo barulho do chocalho”, explicou seu Zé Pinheiro.

Circular pelo bairro, principalmente pelos locais menos movimentados, proporciona situações tensas e, por que não dizer, cômicas. O aposentado Robério Maia, 55, passou por algumas. Numa delas, para curar uma ressaca, resolveu correr. Pegou a pista que liga a Granja à EPIA e, na volta, passou uma camionete com um sobrinho e o sogro dele. Pararam e gritaram: “pula aqui na carroceria, você não dá conta de correr tudo isso…”. Robério não deu atenção e continuou correndo. Mais à frente os dois que estavam na camionete toparam com um lobo-guará. O sogro do sobrinho de Robério ficou preocupado e falou: “vamos parar e avisar que o lobo-guará tá aqui, esperando por ele…”. O sobrinho disse: “não! Eles se entendem. Se o lobo pegar o Robério, vai passar mal por causa da cachaça”. E foram embora. “Quando cheguei no local, o lobo estava entrando no mato e foi embora. Só vi o rabo. Pra você ver como a família é unida…”, diverte-se Robério.


Placas de sinalização advertem motoristas para evitar que os animais sejam atropelados

Outro animal comum na Granja do Torto é a anta. Há um local em que esses bichos atravessam a pista de acesso à Granja em direção ao Parque Nacional. Inclusive, foi colocada uma placa “Travessia de Antas” para alertar os motoristas, depois de alguns atropelamentos. A estudante Lizandra Maria da Cruz, 17, conta de um encontro que teve com uma: “Eu e minha amiga Gabriela estávamos voltando do Boulevard e demos de cara com uma anta. Foi um susto muito grande. E o medo?”.

O empresário Diogo Bicalho, 34, nasceu na região. Desde pequeno, aprendeu a conviver com os animais e a encarar, com surpreendente naturalidade, situações que poderiam ser de pânico para quem não está acostumado. Ainda de colo, Diogo entrava em casa nos braços da mãe. Para abrir, ela empurrou a porta da casa de madeira e, com o solavanco, uma cobra caiu no colo da criança. Foi um pânico na casa. Essa não foi a única história de Diogo com cobras. Certa vez, avistou uma jiboia na rua, foi atrás e a cobra entrou no motor de um carro: “abrimos o capô e ela estava lá, enrolada no bloco do motor. Era bem grande, tinha mais de um metro. Eu e mais dois puxávamos a bicha e ela puxava os três. Não queria se soltar. Enfim, pegamos e levamos para o Parque Nacional”.

A maior incidência de animais na Granja do Torto é, segundo os moradores, de cobras. Inclusive, na época da construção da Cidade Digital, logo na entrada do bairro, com o desmatamento e a colocação de cercas na área, houve um aumento desses bichos na área urbana. Em outras situações, os moradores da região passam por cenas que lembram filmes de suspense. Por uma dessas passou a ex-esposa de Robério: “ela estava correndo em direção à EPIA e deu de cara com uma onça. Era filhote e pulava para pegar um pássaro numa árvore. Ela viu a onça e disparou de volta”. Deu sorte. Se fosse uma onça maior e não tivesse um pássaro para chamar a atenção, o fim poderia ser bem diferente.

Relações familiares

O ambiente também leva a outras formas de convívio com animais, por exemplo, a criação de bichos que se adaptariam melhor à área rural. Anos atrás, seu Zé Pinheiro ganhou um bode e resolveu criá-lo em casa. O animal tinha até nome: Bebeto. “Era lindo, lindo, lindo…”, afirma com ar de nostalgia. No entanto, o bode cresceu e mudou de comportamento: “ficou agressivo, violento e comia as cortinas, as roupas no varal. Minha filha comprou um vestido caro e guardou no baú. Esqueceu uma pontinha de fora e o bode puxou o vestido e acabou com a roupa”. Teve que levá-lo para o zoológico.


Vizinha ao Parque Nacional, a Granja do Torto recebe a “visita” de muitos animais

Outra espécie muito comum na Granja do Torto é o macaco. No início da manhã e no final da tarde, os micos saem das matas e vão para as árvores das ruas ou das residências a procura de comida. A dona de casa Rejane Maria, 52, tem uma plataforma no quintal onde deixa frutas para os bichos. Rejane sorri quando fala dos bichinhos: “Aqui em casa teve uma época que tinham nove macaquinhos. Era nascendo e ficando. A coisa mais linda! Ficaram um tempo sumidos, mas nesta semana vieram duas vezes, de manhã e à tarde. Acordo cedo e já olho para ver se tem algum”.

A relação dos moradores da Granja do Torto com os animais é familiar e isso faz com que quase não se tenha notícias de maus-tratos. Inclusive, ao perceberem algum bicho machucado ou doente, entram em contato com a vigilância ambiental solicitando o socorro. Nas raras vezes em que Rejane percebeu alguma criança tentando apedrejar um animal, interpôs-se e disse: “joguem as pedras em mim, porque neles vocês não vão jogar. Sou protetora dos animais e não vou deixar. Os bichinhos estão fazendo alguma coisa com vocês?”.

Por Mauro Jácome

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