Depois dos aplicativos de relacionamento, novos produtos sexuais como robôs e “brinquedinhos” por controle remoto e até vibradores líquidos chegaram para transformar a forma como as pessoas se relacionam sexualmente
Sexo com robôs é cada vez mais debatido entre cientistas (Crédito: ShutterStock)
Passados 60 anos da invenção da pílula anticoncepcional, o mundo passa por uma nova fase no campo da sexualidade. E, entre outros fatores, esta fase está diretamente ligada à maior igualdade entre homens e mulheres. “Quando falamos de sexualidade, agora, falamos de prazer, de orgasmo”, avalia a jornalista e sexóloga Nathália Ziemkiewicz. “O poder deixa de estar nas mãos dos homens e passa a ser compartilhado”, argumenta.
Criadora do “Pimentaria”, um site que trata de sexualidade de uma forma descontraída, Nathália defende que o orgasmo existe não somente como função reprodutiva, mas como uma maneira de o corpo regular a tensão e atingir a liberação emocional.
Contudo, a sexóloga adverte que, ainda hoje, apesar dos avanços sociais e da ciência, falar sobre relacionamento sexual é tabu. “O tema ainda está muito ligado à procriação, à intimidade dos lares e dos esposos”, diz. Para ela, o diálogo muitas vezes tenso de pais com filhos sobre sexualidade será atropelado pelo apelo público sobre o assunto, e pelo consumo em massa de conteúdos relacionados a sexo disponíveis na internet.
Sexo com robôs
Na mesma direção de evolução da sexualidade mencionada por Nathália, alguns cientistas sociais avaliam que, até 2050, as pessoas estarão fazendo mais sexo com robôs do que com seres humanos. O futurologista Ian Pearson acredita que teremos aplicativos e ‘sex toys’ ligados diretamente ao sistema nervoso. “Você poderá conectar suas sensações sexuais a outras pessoas e estimular orgasmos diretamente pelo toque de um ícone”, avalia Pearson.
“Parece tão absurdo quanto nos dissessem, em 1980, que um dia conversaríamos por um telefone de bolso e sem fio olhando o rosto de quem está do outro lado. Hoje temos aplicativos como Skype, Facetime e WhatsApp no celular. A realidade de se transar com robô não tem volta”, aposta Nathália Ziemkiewicz.
Bonecas hiperrealistas já estão à venda há alguns anos, mas Nathália acredita que essas novas máquinas projetadas para o prazer serão muito mais comuns, acessíveis, customizadas, interativas e incrivelmente sofisticadas. Atualmente há até bonecas sexuais que falam na hora do sexo.
Alguns futurólogos apostam ainda que, daqui a vinte anos, a maioria dos casais vai usar a realidade virtual para experimentar opções sexuais diferentes e até mudar a aparência do parceiro. “Sexo e prazer sempre foram fundamentais para a raça humana e não vão deixar de existir”, diz Pearson em seu site. Para o cientista, “a realidade virtual e a inteligência artificial podem transformar oportunidades e explorar desejos”, afirma.
Estudos mapeiam vida sexual do brasileiro
Enquanto os “sexbots”, como foram batizados os robôs feitos para serem parceiros sexuais dos humanos, não chegam ao Brasil, especialistas sobre o tema andam preocupados com a sexualidade dos seres de carne e osso. Pesquisa realizada pelo Durex Global Sex Survey, há três anos, a pedido da marca de preservativos Durex, mostra que 79% da população sexualmente ativa do País está insatisfeita com o cotidiano sexual.
A sensual coach Fátima Moura, uma das primeiras em sua área no Brasil e autora de vários livros ligados à sedução, concorda com o estudo. “A vida dos brasileiros na cama tá muito meia-boca”, avalia. Os números, aliás, mostram que esse descontentamento atinge igualmente homens e mulheres. O levantamento mostra, por exemplo, que 62% dos homens relatam dificuldades em manter a ereção e apenas 1% das mulheres conseguem chegar ao orgasmo sempre que tem relações sexuais.
Um raio-x da pesquisa da Durex mostra que o problema principal da vida sexual dos brasileiros é a falta de comunicação entre os parceiros. “Situações que poderiam ser facilmente resolvidas acabam se tornando uma batalha”, afirma Fátima. “As pessoas têm que considerar que sexo não é apenas uma necessidade orgânica, mas também emocional”, avalia. Fátima também dá uma dica: “Antes de pensar em algo novo, conversem sobre fantasias sexuais, aprofunde-se em conhecer o que querem”.
Outro estudo, realizado pelo Instituto do Casal, organização paulistana dedicada a estudos no campo da sexualidade, constatou que 56% dos brasileiros casados estão insatisfeitos com as transas. “As relações, com o tempo, perdem o tempero e ficam chatas”, avalia Fátima. “No entanto, não faça a louca e vá aparecer toda fantasiada de mulher gato, de uma hora para a outra. É impossível não rir”, aconselha.
Mulheres têm medo de serem julgadas
Estudiosa do tema, a empresária do ramo de sexo erótico Lenir Pereira, pós graduada em sexualidade, alerta para um dos fatos que atrapalham e reprimem a liberdade feminina entre quatro paredes. “Percebemos que as mulheres consideram os parceiros ‘quadrados’ ou ‘moralistas’, inibindo as parceiras de falarem sobre seus desejos e de realizarem seus fetiches”, aponta.
A empresária Paula Aguiar, presidente da Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual (Abeme), faz coro com Lenir e complementa que “mesmo numa relação estável e duradoura, as mulheres ainda sentem medo de serem julgadas pelos parceiros”. A verdade é uma só, destaca Paula: “Enquanto 52% dos homens disseram que sempre atingem o orgasmo em suas relações sexuais, somente 22% delas deram a mesma resposta”, observa.
Sexo faz parte de relação saudável
Uma relação sexual saudável, de acordo com todas as entrevistadas, nada mais é do que a troca mútua de carinho. “Não se nasce sabendo como fazer um bom sexo, aprende-se: falando, mostrando, tocando-se e principalmente buscando ou trocando informações”, afirma Lenir. “As pessoas devem estimular o nosso maior órgão sexual, que é a imaginação!”, brinca.
Lenir foi casada por 28 anos, tem dois filhos e era infeliz no relacionamento. “Tinha uma grande dificuldade de ter orgasmo”, recorda-se. Sem clima em casa, ela começou a conversar com as amigas sobre a sexualidade. “Identifiquei que muitas mulheres tinham os mesmos problemas que o meu, tinham vergonha de conversar e de até procurar uma ajuda externa”, diz. “Foi isso que me inspirou a ganhar dinheiro com produtos eróticos”, recorda Lenir.
Sacoleiras do sexo
O ambiente na casa de Lenir não melhorou, ela se separou e hoje faz parte de um grupo de 80 mil consultores sexuais que vendem produtos eróticos de porta em porta. “Estima-se que daqui a dez anos, as sacoleiras do sexo cheguem a 400 mil pessoas”, afirma Paula Aguiar, da Abeme.
Lenir comemora a nova fonte de renda. “Deu muito certo. Estou ajudando muitos casamentos”. Ela circula pelas ruas da capital paulista com uma mala escrita “Vendedora de felicidades”.
Mirna Zelioli, gerente da sex shop Lovetoys (Crédito:Alan Rodrigues)
“As sacoleiras do sexo estão ajudando muitos casais a sairem da crise”, afirma Mirna Zelioli, gerente da Lovetoys, uma sexy shop na capital paulista.
Para ela, a importância das consultoras – que trabalham como revendedoras da Avon, mas vendem produtos eróticos – está sendo em mudar os pensamentos dos homens sobre o assunto.
A terceira onda erótica
“Como qualquer exercício físico nosso corpo depois de certo tempo se acostuma com aquele basiquinho de sempre e nos deixa com vontade zero na maior parte dos dias do mês”, comenta Paula Aguiar, que vai além: “Aí, entram os novos apetrechos para apimentar as relações”.
A presidenta da Abeme afirma que o Brasil está vivendo “a terceira onda erótica”. Explica-se: na década de 1980, o sucesso eram as cabines de masturbação para homens, depois ganhou força a expansão das franquias de sex-shop, somando mais de 12 mil lojas em todo território nacional. Hoje os brasileiros estão na onda dos sex toys, os brinquedos eróticos, comprados via internet.
Essas transformações, de acordo com Paula, podem ser medidas pelo crescimento do setor na economia nacional. “Em plena crise, crescemos 18,5% em 2016, contra 8,5% há três anos”, afirma Paula. 68% dos consumidores são mulheres. Hoje são mais de 50 grandes empresas fabricantes de produtos eróticos no País, que geram mais de 125 mil empregos. A maior fábrica do Brasil, a Hot Flowers, produz cerca de 3,5 milhões de itens por mês.
Clubes sensuais ganham popularidade
A mudança de comportamento tem muito a ver com as transformações radicais dos produtos eróticos, das arrojadas decorações das lojas e em novas formas de comercialização dos produtos. Além da venda de porta em porta, uma inovação no mercado são os clubes de assinatura sensuais. Seguindo a tendência do mercado de vinhos e produtos de beleza, as empresas do mercado erótico estão apostando nessa área para atrair os casais.
Todo mês, os inscritos nos Clubes Sensuais recebem pelo correio kits com brinquedos, acessórios, cosméticos e outros itens picantes. “É muito sigiloso. Tudo vem em uma caixa discreta e não entrega o conteúdo da encomenda”, afirma a sexóloga Nathália. “Tem um atendimento exclusivo pelo perfil do cliente, como os evangélicos”, diz ela, que garante. “Se você é tímida ou simplesmente não sabe o que levar de uma sex-shop ou até de entrar nas lojas, conta agora com essa alternativa para esquentar o clima a dois”, diz.
Paula Aguiar, da Abeme, afirma que, além da comodidade e da discrição, o serviço tem a vantagem de entregar produtos selecionados por um preço mais em conta e em todo Brasil. “Os assinantes também ficam na expectativa de descobrir o que virá no kit – e de, regularmente, contar com novidades para testar no sexo. Como nos Clubes de Vinho”, conta Paula.
Fonte: Revista Época.