Crianças e adolescentes são protagonistas em abertura do Seminário 30 anos do ECA

Jovens relataram experiências com a desigualdade social, casos de violência, racismo, e e apontaram o desejo de viver em locais com mais opções de ensino, lazer e saúde


A Frente Parlamentar dos Direitos da Criança e do Adolescente da Câmara Legislativa deu início nesta quinta-feira (13) ao "Seminário 30 anos do ECA: Desafios e Perspectivas na Consolidação da Proteção Integral". A primeira mesa – iniciada às 10h e transmitida ao vivo pela TV Web – foi integrada por crianças, adolescentes e deputados. Protagonistas do debate, meninas e meninos de diferentes regiões administrativas do Distrito Federal apresentaram, a partir de suas experiências individuais, demandas, sugestões e sonhos para "a cidade em que gostariam de viver". A programação do seminário segue até amanhã (14), confira ao final.

"O Itapoã tem 68 mil habitantes, mas só tem uma escola de ensino médio e apenas três postos de saúde", contou Jéssica Almeida, de 15 anos. "O lugar em que eu gostaria de morar teria mais praças, mais parques e mais educação", acrescentou. Participante do projeto Onda – Adolescentes em Movimento pelos Direitos, Jéssica lamentou que muitos jovens não conheçam o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e defendeu a necessidade de projetos para que todos conheçam seus direitos e ferramentas de participação.

Já o menino Jorge Costa, que mora no Guará e estuda na Escola Classe 405 Norte, disse sonhar com uma cidade "com várias escolas, uma praça no meio, comércios, árvores, hospitais e pediatrias". Mesmo com pouca idade, o garoto já percebe as desigualdades sociais: "Nas ruas, você vê muitas crianças trabalhando, porque as famílias pobres precisam. E eu sinto muito dó. As famílias deveriam ter os mesmos direitos, mas geralmente as ricas têm mais. O Estado deveria ter um cuidado maior com os pobres". O garoto falou também sobre a escola ideal, em sua opinião: "Ela teria dois andares e seria como uma escola parque, com várias salas, parquinhos por perto e salas especiais para música, artes, informática. Sexta-feira seria o dia mais especial, porque é o encerramento da semana de aulas, com lanche especial e uma aula superdivertida".

A adolescente Stefane Monique, que estuda no CEF Zilda Arns, no Paranoá, chamou a atenção para a falta de segurança. Ela contou ter presenciado assalto a uma garota no caminho da escola. Reclamação semelhante foi feita por Pedro Lucas Nascimento, morador da Vila Telebrasília: "Já vi brigas entre usuários de drogas, até com armas, e dá muito medo". O garoto reclamou, ainda, da falta de opções de lazer e de creches onde vive. "Muitas mães não podem trabalhar porque não têm onde deixar os filhos", disse. Ele também lamentou o racismo: "As crianças não vêm diferenças, mas os adultos sim".

Racismo ambiental foi tema da fala da adolescente Bruna Almeida, 16 anos, moradora da Estrutural. O termo diz respeito à discriminação racial em políticas ambientais, na escolha deliberada de comunidades minoritárias para depositar, por exemplo, rejeitos tóxicos. Ela lamentou as condições sanitárias da Chácara Santa Luzia, na Estrutural. Para Bruna, o lugar onde gostaria de morar teria "mais limpeza, mais vegetação, mais médicos nos postos, lugares para lazer, quadras esportivas e escolas com boas estruturas para todos".

Tiro, bomba e incêndio na Estrutural

Esta semana, uma ação da Polícia Federal assustou a comunidade de Santa Luzia. O treinamento de policiais na localidade envolveu helicóptero, lançamento de bombas e troca de tiros, resultando em veículos incendiados. O fato chocou a adolescente Bruna Almeida: "A comunidade não foi informada sobre o treinamento, o que infringe o direito a segurança: teve incêndio, e a área não foi isolada para a ação".

"Os policiais entraram sem respeito algum na cidade, sem avisarem a população sobre o treinamento, com tiro e explosão. Eu, como adolescente, achei um absurdo, uma falta de respeito. Se até os cachorros se assustam, imagine nós?", afirmou Jéssica Almeida.

Manifestações dos parlamentares

Após as falas das crianças e adolescentes, o coordenador da mesa, deputado Fábio Felix (PSOL), passou a palavra para os deputados presentes. Arlete Sampaio (PT) lembrou a luta para a conquista da democracia, da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). "Muita coisa não vem sendo cumprida. As deficiências enormes que vocês apontaram demonstram que vivemos num País muito desigual", afirmou. Em resposta à necessidade de se difundir melhor o ECA entre os jovens, a distrital disse que pode apresentar um projeto para criar um dia ou uma semana para discutir a legislação nas escolas.

"Se nós não educarmos para a cidadania, será muito difícil construir justiça e uma sociedade com oportunidades", ressaltou o deputado Leandro Grass (Rede), que sugeriu que os próprios estudantes defendam a discussão de seus direitos em sala de aula. "Quero um dia poder votar em vocês, porque vocês entenderam o que é prioridade", completou o distrital ao agradecer a participação dos meninos e meninas. O parlamentar tratou, ainda, do racismo ambiental: "Quem não tem acesso a água como sobrevive? É uma violência do próprio Estado contra a população negra mais vulnerável".

Já a deputada federal Erika Kokay (PT/DF) explicou como funciona o orçamento e a destinação de recursos por meio de emendas e defendeu a importância da participação das crianças e adolescentes nesse processo. "Como sujeitos de direitos, têm de ter direito a fala".

"Muitos direitos previstos em papel não estão garantidos na realidade. Mesmo depois de 30 anos, muito não foi concretizado de fato", lamentou Fábio Felix. O distrital defendeu amplo conhecimento do ECA por parte de crianças e adolescentes e sugeriu a participação dos estudantes no Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (PDAF) no DF. Sobre o treinamento da PF na Estrutural, o parlamentar afirmou: "Aquilo foi desumanizador, um treinamento truculento e brutal, e mostra a forma desigual que a instituição encara uma comunidade, sem ter feito qualquer pactuação prévia. O Estado faria esse tipo de abordagem no Lago Sul?".

Programação

A programação do Seminário 30 anos do ECA será retomada nesta sexta-feira (14), a partir das 9h. Todas as mesas serão transmitidas, ao vivo, pela TV Web. Confira abaixo:

- Mesa 1 (9h às 10h30)
"Parlamento e Sociedade Civil na construção dos Direitos da Criança e do Adolescente"
Participantes: deputado Fábio Felix, deputada federal Maria do Rosário, Karina Figueiredo e Jussara de Goiás

- Mesa 2 (10h30 às 12h30)
"Responsabilidade do Estado na Promoção e Proteção dos direitos de crianças e adolescentes"
Participantes: deputada Arlete Sampaio, professor Vicente Faleiros, professora Maria Lúcia Leal, promotor de Justiça Anderson Pereira Andrade e Andrey Felype Nascimento

- Mesa 3 (14h às 16h)
"Os desafios do enfrentamento ao racismo na garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes"
Participantes: deputada Érika Kokay, Jussara Nascimento, Thânisia Marcella Alves Cruz, Danielle Sanchez e Cauã Lopes

- Mesa 4 (16h às 18h)
"O desmonte do sistema de participação social na luta por direitos da infância e adolescência"
Participantes: deputado Leandro Grass, professora Patrícia Pinheiro, Coracy Coelho, Paulo Farias e Raquel Souza Santos

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