COP28: alívio por "vitória de virada" depois do susto, escrevem Rosana Santos, Clauber Leite e Stefania Relva. Na imagem: Vista de manifestação da Climate Action Network International contra fósseis na COP28, em Dubai, em 12-12-2023 (Foto: Christopher Pike/UNFCCC) |
Não dá para esperar que os acordos e retóricas avancem na velocidade de uma corrida, mas caminhamos no sentido certo, escrevem Rosana Santos, Clauber Leite e Stefania Relva
Por E+ Transição Energética - EPBR
A COP28 pode ser comparada a uma partida de futebol na qual o nosso time ganhou de virada somente nos últimos minutos do segundo tempo, deixando muita gente com a pressão alta e mais cabelos brancos. Teve um resultado positivo, mas muito aquém do esperado. Não podemos negar que a expectativa era ganhar por uma diferença maior, dando mais fôlego para seguirmos rumo à consolidação do verdadeiro ganho, a vitória num campeonato histórico.
Entre idas e vindas, o gol marcado no finalzinho da COP28 foi a inclusão, pela primeira vez, de "combustíveis fósseis" no documento final, uma sinalização importante apesar de longe do esperado.
Por outro lado, o texto final não deu sinalização de que os países e empresas devem perseguir a eliminação dos combustíveis fósseis, o chamado phase out.
Mas, para chegarmos a esse resultado, considerado como insuficiente e até vergonhoso por vários analistas, a COP passou por muitos momentos de tensão que indicavam que o resultado desta edição da conferência do clima seria insignificante.
Negacionismo climático e petróleo
No início da conferência, o presidente da COP28, o sultão Ahmed Al Jaber, questionou se o aumento da temperatura global era realmente ocasionado por ação humana, colocando em dúvida o consenso científico atual. 1X0 para o oponente, logo nos primeiros minutos de jogo.
Os petrodólares circularam pela COP. As notícias de que lobistas do mundo do petróleo desembarcaram em massa em Dubai e que utilizaram a estrutura do evento para negociar commodities fósseis também incomodaram a comunidade internacional, apontando mais um gol para o adversário.
Consolidando essa preocupante constatação, podemos citar o ingresso do Brasil na Opep+, sob o argumento de que, com a participação na organização, pretendia ensinar os países produtores de petróleo a fazer a sua transição energética. 2X0.
O terceiro gol veio em seguida na apresentação do rascunho do texto final, que não citava combustíveis fósseis e não trazia uma sinalização sobre como os países e empresas deveriam atuar para perseguirem a manutenção da meta de permitir que a temperatura global suba apenas entre 1,5°C até 2050.
Phase away, double down/triple up
Em meio à goleada de 3x0, saímos para o intervalo quase sem esperança. Felizmente, tivemos algumas boas notícias, sendo a principal dela o texto final, apresentado no dia 13 de dezembro, que, embora não fale na tão desejada eliminação dos fósseis, prevê uma transição (em inglês, phase away) energética. Outro golzinho foi a indicação de que devemos eliminar os subsídios às energias ineficientes.
Também marcamos graças ao fato de que o documento final reafirma, com clareza, que o aumento da temperatura global não pode superar 2°C, algo fundamental para reforçar o compromisso com o Acordo de Paris, de 2015, e afastar a dúvida colocada por Al Jaber no início do evento.
Por fim, o gol da virada veio com a menção, no texto final, da necessidade de os países triplicarem o uso de energias renováveis e de reduzirem os níveis de ineficiência energética pela metade (a expressão double down, triple up), uma meta importante e que ajuda a desenhar o caminho que terá de ser trilhado até lá.
Fim da partida, nosso time sai vitorioso, mas sem aquela sensação de que foi uma vitória bonita. Nos jornais, análises de que a montanha pariu um rato, ou de que perdemos a chance de avançar na intensidade em que o planeta precisa para a transição para uma era sem combustíveis fósseis. "No fim, um pequeno começo", escreveu o ombudsman da Folha de S. Paulo, José Henrique Mariante, em sua coluna.
Porém, este pequeno começo é realmente algo grandioso por ter sido atingido na COP28, realizada em um país que tem o petróleo como sustentação de sua economia. A inclusão do termo "combustíveis fósseis" no texto final pode ser considerada um marco histórico.
O fato é que não podemos esquecer que eventos como a COP, que envolvem muitos países que dependem da renda do petróleo, sofrem uma grande influência dos petrodólares. Não dá para esperar que os acordos e retóricas avancem na velocidade de uma corrida. Pelo menos, conseguimos caminhar no sentido certo.
Outro ponto positivo da COP28 que vale menção inclui o endereçamento da necessidade de recompensas pagas por países desenvolvidos àqueles em desenvolvimento, que mais estão sofrendo com os efeitos das mudanças climáticas.
O tema de perdas e danos (loss and damage) foi abordado logo no início do evento, com o anúncio de recursos a serem pagos pelas economias desenvolvidas e que podem gerar encaminhamentos positivos a serem avançados nas próximas duas conferências do clima. A necessidade de uma transição energética justa, com maior cooperação internacional que vá além de recursos aos países em desenvolvimento e países pobres, também permeou o evento.
Para o Brasil, a COP28 reforça a estratégia pela qual advogamos no Instituto E+ Transição Energética, de que devemos nos posicionar melhor perante o mundo a partir da nossa matriz energética majoritariamente descarbonizada
O Triple Up brasileiro significará exportarmos energia verde. Mas temos que perseguir meios de embarcar essa energia em produtos industrializados, criando uma transição justa em termos econômicos, de crescimento da indústria, geração de renda e empregos de qualidade por aqui.
A COP árabe pode não ter sido tudo aquilo que desejávamos, mas, no final, teve um importante papel de nos colocar à porta de um caminho que bifurca em dois sentidos. Podemos seguir no lado que nos levará para a vitória no campeonato, mantendo as condições de vida na Terra, ou enveredarmos para as incertezas de mudanças climáticas ainda mais intensas que as que observamos hoje.
A COP29, no Azerbaijão, terá o desafio de mover países e governos para além do que foi colocado nesta, detalhando ações concretas. Já a COP30 é a chance de avançarmos na transição justa, propondo formas de alteração da relação Norte/Sul e o rearranjo de parte das cadeias de produção global, por meio de um Consenso de Belém nessa direção.
Afinal, a transição energética será muito difícil sem a distribuição de riquezas, um esforço que demandará muito trabalho entre 2030 e 2050. Por ora, marcamos um gol nos últimos minutos, mas ainda temos muitos jogos para ganhar esse campeonato. Como dizem os jogadores nas coletivas no final das partidas, vamos em frente!
Rosana Santos é diretora-executiva, Clauber Leite é coordenador técnico, e Stefania Relva é consultora sênior do Instituto E+ Transição Energética. (Foto: Divulgação) |
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